terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A Miséria e a Morte

Quando ontem, me fizeram lembrar do título "A Miséria e a Morte" pensei inicialmente nos bonecos do Teatro de Marionetas do Porto e das magníficas mãos, gesto e voz do João Paulo Seara Cardoso, por quem tive o prazer de conhecer a história de um velho e pobre ferreiro que...

Numa versão um pouco diferente, Miséria é uma velha e pobre mulher que...


Esta é uma história da tradição oral portuguesa e espanhola que já foi recontada por diversos autores e que pode ser lida em Antologia de Contos Populares de Alexandre Parafita (Plátano Editora, 2001) e ouvida em http://www.estudioraposa.com/audio/historia_36.mp3

Ou então...
... lida aqui mesmo na minha própria versão, especialmente construída para vós:


A Miséria e a Morte
por Jorge Pimentel
(Fevereiro de 2010)


Queixava-se a tia Miséria

Da sua desgraça tamanha,

De ser pobre, de ser velha

E da saúde que não há,

Não permitir a façanha,

De à pereira da horta

Subir como um rapaz

E nela encher um cabaz

De fruta que se coma,

Seja madura, seja verde,

Seja boa, seja má.

E dos rapazes se queixa

Que, malandros, a atormentam

Pois nos ramos da pereira se sentam

E da velha (que não os deixa)

Riem e troçam com maldade

Enquanto os bolsos e o papo

Vão enchendo com aparato.

E a velha bem se zanga

Mas nada pode fazer

Pois, de um salto, a garotada

Parte, de barriga inchada,

Pelos campos, a correr.

Um dia vem um pedinte

Pedir, à velha, abrigo.

E esta, sem hesitar

Por uma fresta do postigo

Mandou o mendigo voltar

Ao caminho que trazia

Dizendo que não havia

Em sua casa, lugar.

Uma enxerga para dormir

Era tudo o que pedia

Pois que logo, ao amanhecer,

Tornaria a caminhar

E à velha prometia

Um desejo conceder

Se o deixasse ficar.

Ao ouvir esta promessa

A velha teve uma ideia malvada.

Abriu a porta depressa

E pensou que poderia

Usar o desejo do pobre

Para prender a garotada

Que à pereira subia.

E assim aconteceu!

Os petizes da aldeia

Tiveram a triste ideia

De à pereira trepar.

E na descida dos ramos

Sentiram-se enredar

Por lianas que prendiam

Suas pernas e seus braços

Sem os poderem soltar.

Pediram ajuda à velha

Para poderem descer

E esta os fez prometer

Que nas peras da sua pereira

Não voltassem a tocar.

Assim, sob juramento,

Foram embora, os rapazes

Depois de encherem dois cabazes

Com os frutos da pereira.

Passaram dias e meses

E numa noite de luar

A velha ouviu chamar

Pelo seu nome, na rua.

Viu, a claridade da lua

A figura negra da Morte

Que lhe indica sua sorte

E que antes da noite findar

A teria que levar.

A velha rogou à Morte

Que antes que a sua hora viesse,

Da sua pereira querida,

Uma pêra lhe colhesse,

Agora amadurecida.

É que ela, de tão velha

Não podia lá subir

E de desejos morria

Se uma pêra não comia.

E ainda haviam de dizer

Que veio a Morte de longe

Matar uma velha já morta

Por, a desejos, não resistir

De uma pêra comer.

A Morte trepou à pereira

E ficou presa nos ramos

Até que, da aldeia inteira

E de todo o mundo também,

Vieram gentes em prantos

Pedir à velha que a solte

Do feitiço que a retém.

A velha disse que não

Sem hesitar um momento.

Não libertaria a Morte,

Até que esta, em juramento

Alterasse a sua sorte.

E assim vive a Miséria

Com promessa bem firmada

Enquanto o mundo for mundo

Não será incomodada.

E concedido o desejo,

Alterada sua sorte

Vemos pelo mundo inteiro

Bem amigas, de mãos dadas,

Estas duas almas penadas

Que são a Miséria e a Morte.

2 comentários:

  1. Olá Jorge,

    Gostei de visitar o teu blogue.
    E quanto à miséria e a morte, depois pessoalmente verbalizo.

    Ana Maria LOpes

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